Brifaut, Miraut, Rustaut... Nas fábulas de La Fontaine, os cães têm um papel importante, embora não o principal. De facto, o cão aparece no título de uma dezena de fábulas, mais ou menos conhecidas.A mais famosa é sem dúvida
O lobo e o Cão, na qual se põe em evidência tudo o que opõe estes dois irmãos inimigos. Um lobo enfraquecido se encontra com um robusto molosso. Como não se atreve a atacá-lo, faz-lhe uma série de cumprimentos sobre o seu bom aspecto. O cão convida-o então a levar a mesma vida que ele. É tão convincente com a descrição que o cão faz dessa vida que o lobo se declara imposto a segui-la. Mas de súbito repara que no pescoço pelado pela coleira do seu interlocutor. Ao compreender que a comodidade implica a privação da liberdade, «o lobo largou a correr e ainda hoje continua a correr».
O Lobo e o Cão Magro é uma fábula menos conhecida. Mostra-nos um lobo que tenta apoderar-se de um cão esquelético. Este aconselha-o a esperar que engorde para comer. Mas quando o lobo regressa a casa está guardada por um impressionante mastim que o obriga a fugir.
NÃO FORCEMOS O TALENTO...Em três fábulas o cão aparece curiosamente ao burro. Em
O burro e o Cãozinho, um burro, ciumento dos mimos que o dono prodigaliza ao seu cãozinho, decide fazer como este. Infelizmente, o dono não acha graça nenhuma ao contacto dos cascos do burro e dá-lhe umas boas pauladas.
A fábula começa com uns versos famosos que em França se transformaram em provérbio:
Não forcemos o talento, que nada serviria.
O Burro e o Cão é uma fábula sobre o tema da solidariedade. O burro não quer ajoelhar-se para que o cão possa tirar a comida que leva na taleiga que carrega. Ao aparecer um lobo, o cão nega-se a defender o burro e este é morto.
Muito diferentes são
Os Dois cães e o Burro Morto.
Dois cães vêem o cadáver de um burro que o rio arrasta. Um deles é de opinião que têm de beber toda a água para secar o rio e poderem apoderar-se da carcaça Um trabalho tão desmedido que lhes custa a vida. E La Fontaine conclui:
De todos os animais, o cão é tido por cuidadoso e fiel ao seu dono; mas é um tolo e um guloso.
O Granjeiro, o Cão e a raposa é uma fábula mais complexa. Uma raposa consegue introduzir-se num galinheiro e causa uma verdadeira hecatombe. Quando o granjeiro vê o que se passou, apanha o cão e injuria-o de «maldito animal» por não ter sabido impedir a carnificina. O cão responde-lhe: não é ao homem que compete velar pelos seus bens?
Porque ele é que não tem nada a ganhar. «Este animal falava com muito tino», diz o fabulista. Mas o granjeiro deita-lhe as culpas e enche-o de pancada.
Em
O Cão que Leva ao Pescoço o Jantar do Dono, são vários os que aparecem em cena. Um deles «põe ao pescoço o jantar do dono». É atacado por um mastim que lho quer tirar e o cão atacado põe a comida no chão, para melhor defender.
Então chegam mais cães, contra os quais não pode lutar sozinho e deixa-lhes o jantar do dono, não sem antes abocanhar o seu bocado. Finalmente, «todos se atiram» e La Fontaine compara esta cena com as relações que se estabelecem entre os homens: o homem honrado acaba por ser como todos os outros.
O Cão a que Cortaram as Orelhas continua a ser actual. Nesta fábula, um cão chamado
Mouflar queixa-se da mutilação que lhe fizeram até ao momento em que repara que assim apresentará menos o que filar aos cães com o quais lute. Mas então expõe-se a que eles se lhe atirem o pescoço, pelo que
Mouflar acabará por pôr uma grande coleira para se proteger.
...E NÃO DEIXEMOS O CERTO PELO INCERTOO Cão que Larga a Sua Presa por Um Reflexo é um título que se tornou proverbial, embora nesta fábula o que faz com que o cão largue a presa seja a sua imagem reflectida na água que está prestes a afogá-lo. Por seu lado, os cães que aprecem em
O Galo e a Raposa são imaginários. Nesta conhecida fábula, uma raposa tenta convencer um galo a descer do ramo em que se encontra pousado...para o abraçar.
O galo, que se apercebe da armadilha, diz-lhe:
Avisto dois lebréus, que, ao que vejo, são correios para este assunto enviados; vêm depressa e logo estarão aqui, eu desço e assim nos abraçaremos todos.
Acreditando nisto, a raposa foge e o galo diz, todo contente:
Ah, o prazer é a dobrar quando se engana o embusteiro.
Em
O Lobo Convertido em Pastor, o cão de Guillot, o pastor, dorme perto do seu dono; mas despertará a tempo de vencer o lobo.
Por toda a obra do fabulista aparecem cães, em geral como inimigos do lobo. Em
Os lobos e as Ovelhas, os lobos não respeitam a trégua e estrangulam os cães.
Para La Fontaine, o cão é verdadeiramente a antítese e o adversário do lobo, um tema que se encontra na literatura de todos os tempos. Eis um exemplo mais: em
O Lobo, a Mãe e o filho, é um «cão de estrebaria» que estrangula o lobo.
Em
A Lebre e a Perdiz, o cão
Brifaux deixa escapar o primeiro daqueles dois animais (o nome de Brifaux, vem do verbo francês brifer que significava «devorar»). Mas
Miraut e
Rustaut encontrarão o seu rasto e conseguirão capturá-lo.
A CADELA E A SUA AMIGANa fábula
A Cadela e a Sua Amiga, a primeira, que está quase a parir, consegue convencer uma cadela sua amiga a emprestar-lhe sua casota. Depois de parir, nega-se a devolvê-la, chegando mesmo a ameaçar a proprietária com as dentadas da sua prole quando esta crescer. E La Fontaine conclui:
De dar a má gente
nos arrependemos sempre.
E acrescenta:
Dá-se-lhes a mão
e tomam logo o pé.
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