Esta patologia surge principalmente na
Primavera, causada por uma efracção cutânea ou mucosa de pêlos urticantes que possuem uma toxina. Estes pêlos estão presentes nas lagartas procissionárias do pinho, nos estados larvares L3, L4 e L5 da
Thaumetopoea pityocampa. Estas lagartas são frequentemente encontradas em "fila indiana" e são cobertas de seda ornamental e, sobretudo de pêlos urticantes.
O nome de procissionária advém da Thaumetopoea pityocampa se deslocar em "fila"
EPIDEMIOLOGIA- As procissionárias infestam florestas, sobretudo na orla mediterrânica onde encontram as árvores resinosas que as alimentam e um clima favorável ao seu desenvolvimento. Encontra-se na Europa meridional e central mas também no norte de África.
- O envenenamento ocorre sobretudo no final do inverno e início da primavera (Janeiro a Junho), segundo as condições meteorológicas. Este período corresponde à saída das larvas que saem dos casulos para se alimentar na árvore quando as temperaturas atingem 10ºC, altura que descem para iniciar a muda (ninfa) subterrânea quando a temperatura atinge os 20ºC.
- A proximidade de árvores resinosas ou passeios em plena floresta são os dados mais recolhidos na anamnese do caso. O cão, a espécie mais atingida (93% em 2002), pode entrar em contacto com os pêlos urticantes transportada pelo vento; com as lagartas, particularmente atractivas quando em fila indiana; com objectos cobertos de pêlos urticantes ou ainda com os casulos caídos no chão.
- O gato é menos atingido que o cão em virtude do seu comportamento mais cauteloso e da sua exploração bucal menos marcada.
- O envenenamento também pode afectar os equídeos, ovinos, caprinos e suínos.
SINTOMATOLOGIA Os sinais clínicos são devidos à
toxina libertadora de histamina, a
thaumatopoeína, contida no pêlo urticante e libertado aquando a sua ruptura (como uma ampola). O simples contacto não é suficiente para a ruptura; uma efracção cutânea é necessária, facilitada pela forma do pêlo (extremidade proximal lisa e farpas na extremidade oposta como se de um arpão se tratasse). A thaumatopoeína
provoca a desgranulação dos mastócitos com a secreção de histamina, mediadora da inflamação.
Os sinais clínicos seguem-se rapidamente: de alguns minutos a poucas horas. Vários sinais são observados mas são sobretudo os sinais locais que alertem os donos.
Alterações bucais e digestivos são os mais marcados e de carácter evolutivo.
A língua é o orgão mais afectado. Os outros sinais locais são mais raros nos animais (muito mais frequente no homem).
- LESÕES LOCAIS
- LESÕES BUCAIS E DIGESTIVAS
A inflamação, que se traduz por
edema lingual, sub-lingual e/o labial, pode em primeira instância, não ser perceptível para os donos, mesmo se o animal manifesta sinais evidentes de dor aguda, comparada à de uma queimadura. Surgem de seguida, o ptialismo (salivação excessiva) e dificuldades na deglutição, que são os sinais de alarme que motivam a consulta.
A Ara foi atingida quando tinha 10 meses. Ptialismo, edema labial, facial e lingual. Esta foto, pelo carácter urgente que teve o caso, só foi tirada ao 3º dia. Ainda eram visíveis os sinais.
Outro caso clínico: necrose sublingual apical por compressão vascular Mesmo caso: úlceras profundas no dorso da língua. Foram ainda retiradas pêlos urticantes na língua que se encontravam na mesma. Edema da glote. Este cão teve queimaduras do esófago. Remoção do tecido necrótico
Uma glossite (inflamação da língua), estomatite (inflamação da gengiva bucal) e uma queilite (inflamação dos lábios) são acompanhadas por úlceras de diversa extensão na língua. Na face dorsal da língua podemos encontrar úlceras profundas quando glossite é pronunciada.
A compressão vascular na base da língua leva a cianose do órgão, em poucas horas.
Se houve ingestão de lagartas, surgem vómitos, ptialismo em virtude da inflamação do esófago e gastrite induzida. Alguns casos de diarreia são descritos.
As lesões oculares surgem isoladas quando os pêlos urticantes são transportados pelo vento atingem, por contacto, os olhos do animal ou quando a face é violentamente afectada. Observa-se uma conjuntivite (eventualmente associada a uma blefarite) e/ou uma queratite ulcerativa. Se o pêlo atinge perpendicularmente a córnea e penetra em profundidade, desenvolve-se uma queratite nodular que pode levar a cegueira. Um exame minucioso oftalmológico é recomendado.
- As lesões cutâneas de tipo urticário (placas ou lesões lineares) são raras em virtude da própria pelagem do animal. São placas eritematosas nos lábios ou em zonas de pele fina exposta e pododermatites.
- Estas placas podem aparecer nos donos e médicos veterinários (muito frequente) que manipulam o animal.
É aconselhável o uso de luvas e vestuário de manga comprida na manipulação destes animais.
2. SINTOMAS GERAIS- Se os sinais locais poem ser moderados e de bom prognóstico, as alterações gerais, mais raras, podem pôr em risco a própria vida do animal em poucas horas. Manifesta-se por uma evidente prostração, podendo evoluir ao estado de choque.
- Os sintomas respiratórios são possíveis (tosse, rinite, dispneia) e causados pelo contacto com a trufa, inalação de pêlo ou pelo aparecimento de edema da laringe, após ingestão da lagarta.
- A disfagia e dispepsia podem levar à uma hipovolemia marcada insuficiência renal aguda.
- Uma coagulação intravascular disseminada (CIVD) aguda pode-se desenvolver nas horas ou alguns dias após o acidente.
Outras alterações gerais observadas: hipertermia (até 41ºC); choque anafiláctico com edema facial, coma, tremulações musculares, e por vezes convulsões. O síndrome de resposta inflamatória sistémica (SIRS:
systemic inflammatory response syndrome) e o síndrome de falência multi-orgânica (MODS:
multiple organ dysfunction syndrome) são complicações graves, que podem levar à morte do animal.
PROGNÓSTICO DO ENVENENAMENTOA evolução do caso depende da rapidez do tratamento, mas também da intensidade, extensão e da região do contacto com a substância urticante.
- Diversas evoluções são observadas. O desaparecimento dos sintomas é rápido (algumas horas) para 1/3 dos casos, permanece em menos de três dias para outro terço e as lesões podem persistir para os restantes.
- O prognóstico a curto prazo depende da severidade das repercussões sistémicas (insuficiência renal aguda, edema da laringe, CIVD, etc).
- O prognóstico a longo prazo é variável consoante a gravidade das lesões da língua. A parte apical segue a evolução clássica de urticária. A cicatrização e retoma funcional do órgão (diminuição do tamanho e mobilidade) pode durar 10 dias a um mês, mas a necrose deixa com frequência sequelas extensas.
-
Queda mais ou menos importante da parte apical da língua, em presença de lesões múltiplas ou difusas;
-
Aspecto rugoso dos bordos do órgão na presença de lesões pontuais;-
Cicatrizes estenosantes.12º dia após o acidente: é visível a extensa zona de necrose (zona branca), tecido irremediavelmente morto. Pode-se, no entanto avistar, a proliferação de um novo tecido, granuloso, nas bordas.
Não só na parte apical da língua mas também na base, esófago e estômago (a Ara ingeriu lagartas)
19º dia, já com deiscência de parte da língua 24º dia: cicatrização
Mesmo que um cão perca cerca de 30 a 50% da língua, a readaptação à alimentação ocorre com alguma brevidade e
volta à uma vida normal (a Ara adaptou-se bem mesmo com mais de 1/3 do órgão perdido). Numa primeira fase, deverá ser privilegiada uma
alimentação líquida, depois mole. Se a queda da língua é moderada, um ligeiro ganho de substância cicatricial é evidenciado após alguns meses. Em contrapartida, se a necrose for total, a preensão dos alimentos é muito difícil e o prognóstico, muito sombrio, pode conduzir à eutanásia.
PROFILAXIAA profilaxia dos envenenamentos baseia-se na vigilância de 3 factores:
- O médico veterinário deve prevenir os donos do risco de envenenamento.
- A comunidade local deve informar os locais de risco.
- Os donos avisados têm uma responsabilidade acrescida em evitar o contacto dos seus animais com as procissionárias ou casulos, durante os passeios (sempre a trela).
- Para além de uma vigilância apertada na zona e durante os períodos de risco, a profilaxia passa pela sua destruição. Esta luta reverte-se de suma importância, não só médica e de saúde pública em virtude do envenenamento humano e animal, mas também pela própria ecologia e consequências económicas: estes insectos destroem as florestas resinosas.
Casulo Destruição por fogo Todo o corpo médico veterinário e assistentes devem identificar por telefone os sinais de alerta de envenenamento por procissionária, informar os donos da urgência do caso e dar instruções prévias antes da chegada do animal à clínica.