Talvez um dos maiores desafios pelo qual passamos diariamente na nossa vida, seja a do
desapego. Na nossa condição de ser humano, todos os dias enfrentamos situações de apego: objectos pessoais, casa ou outras propriedades, carro, animais de estimação, dinheiro, pessoas, emprego, saúde ou até mesmo, a própria doença. Apegos, uns mais fortes do que outros, mais difíceis de ultrapassar, seja por medo, por fraqueza, por ilusões ou desilusões, por tortura egocêntrica, ou mesmo por padrões culturais e religiosos enraizados desde tenra idade...
A vida e os seus problemas devem ser encarados e lidados de frente, mas não são coisas às quais devamos-nos apegar. É verdade que o dinheiro tem a sua importância, mas a pessoa que se apega a ele torna-se avarenta e escrava do dinheiro. É muito fácil apegarmos-nos à nossa beleza, às nossas aptidões ou às nossas posses, e assim nos sentirmos superiores aos outros. É igualmente fácil nos apegarmos-nos à nossa fealdade, à nossa falta de aptidões ou à nossa pobreza, e assim nos sentirmos inferiores aos outros. O apego às condições favoráveis leva à avidez e ao falso optimismo, enquanto que o apego às condições desfavoráveis leva ao
ressentimento e ao
pessimismo. Sem dúvida alguma, o nosso apego às coisas, condições, sentimentos e ideais é muito mais problemático do que possamos imaginar.
O apego encaminha-nos para um caminho doloroso, sombrio, quando continuado, proporcional à força que possui. Ficamos com
raiva, preocupados, tornamos-nos ávidos, fazemos queixas infundadas e temos todos os tipos de complexos. Toda estas causas de infelicidade, tensão, teimosia e tristeza são devidas ao apego.
O maior apego que tenho vivido e sentido, foi o apego pelo meu pai. Partiu há precisamente 19 anos,
no presente dia. Tinha eu 16 anos, numa idade em que me sentia quase adulto, mas perder um deles, foi como ter ficado sem apoio, sem amparo e sem alicerces. Não é minha intenção reviver esse momento, mas sim, ao caminho que me fez percorrer. Enfrentar o caminho do apego, é enfrentar um caminho de medo envolto por um sentimento de total insegurança. Tenho vindo a lutar, todos estes anos, ao desapego de uma dor interna e irascível, que se tinha acumulado.
Tentar compreender e sentir a minha própria vida, como ser humano, um ser de luz, com a minha própria individualidade, não alicerçada por alguém, mas apenas por mim própria. Entender que é pela via do desapego que desperta o mais puro e genuíno do nosso ser, da nossa individualidade, uma vida de iluminação. Afinal, quando nascemos, "
ninguém é de ninguém".
Uma luta interna e profunda que me fez percorrer uma viagem a solo, num túnel construído por mim própria, caminhando de lado com o meu próprio ego. Uma viagem que me fez conhecer as minhas cruéis fraquezas, o meu lado mais egoísta, frio e sombrio. Puro egoísmo, quando pensei que "aquela pessoa" me fez falta, pois subestimei os meus limites. Pura baixa auto-estima pois subestimei os meus valores e toda a minha força interna. Quantos de mim foram actos de
egoísmo, de
ira ou de
raiva como se pudesse partir um copo em mil pedaços dentro da minha própria mão, sem sentir dor? De
complexos de inferioridade pelos meus companheiros de vida? De
tristeza imensurável, por vezes? Todas estas condições, foram tomadas de consciência impregnadas de fortes emoções, que me levaram
ao ressentimento, à ira, ao pessimismo, algumas vezes mesmo,
ao ódio. Mas foram indispensáveis. Serviram-me de uma experiência de valor incomensurável, e foram o ponto de partida para engendrar por novos caminhos.
O desapego purifica a nossa mente, os nossos vasos sanguíneos, os nossos órgãos, sistemas, todo o fluxo energético que jorra dentro de nós e nos alimenta. Durante anos tentei perceber o apego, e, consequentemente, o do desapego. Sentir por um lado, uma força interna de pertença, e por outro lado, um desejo intenso de me libertar de algo que sabia que já não me pertencia (se alguma vez o foi). Aceitar que chegou a hora, este momento, o da libertação.
É certo, levei muitos anos a tomar essa
atitude, a do desapego, mas
uma tomada de consciência que vem de dentro, da minha própria alma ou espírito.
É uma predisposição interior, não é um processo exterior. Não me tornarei uma pessoa mais fria perante a vida, nem tão pouco mais desinteressada bem pelo contrário, do desapego deriva um calor interior e quando acompanhado por uma atenção plena ao próprio presente, deriva compaixão. Cultivar a atitude de desapego, é
cultivar emoções positivas, de generosidade, de fraternidade, de paciência, de complacência, de amor, todos eles, ingredientes indispensáveis à nossa própria felicidade.
Nos últimos anos, fui sentindo com mais intensidade que a
vida é mutável; todas as coisas são mutáveis; todas as condições são mutáveis. Comecei a aprender a "deixar ir" as coisas. Todos os abusos, a raiva, a censura, o ódio; deixar que eles venham e que se vão. Tudo o que faço, devo fazê-lo com sinceridade, com honestidade, humildade e com todas as minhas forças; e uma vez feito, feito está. Tentar não me apegar.
Muitas pessoas se apegam ao passado ou ao futuro, negligenciando o importante presente. Devemos viver melhor o "agora", com plena responsabilidade.
Já os sábios o diziam, como
Buda:
"Quando o sol brilha, desfrute-o; quando a chuva cai, desfrute-a. Todas as coisas nesta vida - deixe que venham e deixe que se vão. Este é um segredo da vida que nos impede de ficar aborrecidos ou neuróticos".No presente dia, decidi dar a mim mesma um passo importante, com consciência empenho, humildade e honestidade para comigo própria: deixar o caminho do apego, e iniciar um novo, transcendendo-me, uma verdadeira sensação de metamorfose...
Tal como disse Yoda: "Precisamos desaprender o que aprendemos".