30/09/2009

O INATO E O ADQUIRIDO

Em geral, as pessoas consideram que o inato e o adquirido são noções opostas e dão mais importância ao adquirido, associando-o ao livre arbítrio da espécie humana, que desse modo se pode libertar da sua estrutura biológica. E então concluem que o animal está basicamente estruturado pelo inato e que o adquirido é uma parte reduzida, senão inexistente, quando se trata das espécies ditas irracionais.

OS INCONDICIONAIS DO INATO

Para a espécie canina, a selecção baseia-se num princípio aceite pelos criadores: as características reaccionais de uma raça (e em primeiro lugar a sua existência) são inatas e devem ser mencionadas no estalão, que deve precisar os diferentes aspectos do "carácter" dos cães.

Para os cachorros, o papel do meio em que vivem é capital. É da riqueza de estímulos do meio que depende a qualidade da estruturação do córtex cerebral.

O MEIO, UM ELEMENTO DETERMINANTE

Ao mesmo tempo que as ideias se espalham e se aplicam nos meios cinófilos com vista à selecção, os cientistas que estudam o desenvolvimento comportamental dos animais renunciam a utilizar os termos "instinto inato" e "instinto adquirido", uma vez que estes termos não podem explicar a realidade.
Hoje sabe-se que todo o organismo vivo é o resultado da interacção entre o seu património genético (que define as orientações de desenvolvimento do organismo de uma maneira mais ou menos precisa) e o meio em que se desenvolve. Este meio pode modificar muito o curso dos acontecimentos geneticamente programados, parecendo bastante provável que o meio será o elemento mais importante nas espécie mais evoluídas.
Não parece que as coisas sejam diferentes em matéria de comportamento; assim, as possibilidades reactivas são ditadas pelo genoma mas é o ambiente que modela o seu desenvolvimento e articulação. Aqui, os especialistas falam de "epigénese".

GENÉTICA OU MEIO AMBIENTE?

Ora bem, esta visão do determinismo do comportamento tropeça em argumentos que emanam dos resultados obtidos pelos criadores, que continuam a seleccionar com êxito as características comportamentais. O que nos leva a evocar os diferentes elementos capazes de intervirem no determinismo do comportamento do cão.
É evidente que o património genético tem o seu papel, na medida em que dirige a construção do sistema nervoso e accionamento de certos mecanismos bioquímicos do funcionamento cerebral. Mas o meio ambiente actua sobre a anatomia do sistema nervoso, tanto antes como depois do nascimento.

O comportamento do cão adulto reflecte a qualidade da vida fetal do cachorro, assim como a da sua infância e da sua socialização.


Antes do nascimento
Durante a vida fetal já intervêm outros elementos para além do genoma, os quais orientam as características emocionais do indivíduo mesmo quando os factos observados dependam do inato. Sabe-se que quando as fêmeas estão em stress durante a gravidez aumenta a proporção de indivíduos da sua descendência com tendência para a ansiedade ou a depressão; inversamente, as fêmeas bem alimentadas, bem cuidadas, que não estão em stress, trazem ao mundo cachorros cuja aptidão para aprenderem e se integrarem no meio são muito grandes e que, ao que parece, terão mais tarde um lugar hierárquico mais elevado. Assim, os cachorros cuja mãe dominante tenha tido uma gravidez sem problemas têm mais probabilidades de se tornarem dominantes (mas os métodos de comunicação que se aprendem também terão a sua importância).

Depois do nascimento
O cachorro nasce com o sistema nervoso inacabado, pois as células nervosas, ou neurónios, ainda não estão interconectados. Numerosos trabalhos permitem concluir que os jovens que se desenvolvem num meio pobre em estímulos têm um córtex cerebral infinitamente menos rico em conexões que os indivíduos que se desenvolvem num meio rico em estímulos (mesmo quando se trata de jovens da mesma ninhada). O que demonstra como é importante a influência do meio e como pode ter consequências dramáticas a atitude de certos criadores, que mantêm a cadela e a sua prole longe de qualquer elemento estimulante.

A SOCIALIZAÇÃO,
UMA ETAPA DECISIVA

Quando o sistema nervoso se completa, por volta das três o quatro semanas, o cachorro aborda uma fase essencial da sua existência, a da socialização. Na realidade, intervirão dois tipos de fenómenos para estrutura o indivíduo e torná-lo apto a conviver com os seus congéneres e em sociedade: a impregnação e a hierarquização.
Este tema também já foi abordado aqui e aqui.

Ao nascer, o cão não sabe que é um cão; será precisamente graças à impregnação que ele toma consciência da sua natureza. O cão começa por tecer laço com a mãe ou com o substituto materno. Mas enquanto estiver a ser desmamado terá de se hierarquizar e para isso aprender a integrar-se no grupo, a comunicar com os seus congéneres e a controlar o seu comportamento em conformidade com a sua posição hierárquica.
O comportamento do cão adulto depende em grande parte da qualidade dessa socialização. Os exemplares - cada vez mais numerosos - cuja socialização se fez mal são instáveis, com frequência agressivos e sempre difíceis de tratar. Mas o seu património genético nada tem a ver com o caso.

Em conclusão, verifica-se que existe uma multidão de elementos que se associa para estruturar o futuro cão e que noções de inato e adquirido são completamente insuficientes para explicar esses complexos equilíbrios.

A selecção dos cães que se destinam a uma tarefa específica (aqui, cão de salvamento) é um argumento a favor da teoria de que as características reaccionais de uma raça são inatas.

8 comentários:

Ana Cavaca disse...

Boaq noite Paula,
Bonito tema no seguimento daquilo que nos tens vindo a ensinar: impregnação, hierarquização e sociabilização.
Bjs

Bruna disse...

Oi Menina Bonita *)
Belo post como sempre... Força linda, para ti para mim!

Cá tou qd precisares ***)
Boa Noite de paz e descanso
Beijoca

Adelaide Figueiredo disse...

Paula,

Muito interessante. As coisas que tu me ensinas!
Beijo grande

Maria Paula Ribeiro disse...

Bom dia Ana Cavaca,

:-) Aprecio bastante estes temas. :-)
Obrigado
Beijinhos

Maria Paula Ribeiro disse...

Bom dia Bruna

Obrigado. Eu sei disso.
:-)
Beijinhos

Maria Paula Ribeiro disse...

Bom dia Adelaide

Fico contente pelo elogio
Obrigado

SIALAC disse...

Boa noite!

A nossa Sr.ª Dr.ª sempre no seu melhor.

Obrigado!

Beijinhos.

Maria Paula Ribeiro disse...

Boa noite Nuno,

Lutar sempre por um mundo animal, melhor.
É o meu objectivo de vida.

Pelo menos, encontro a serenidade necessária durante este período.

Obrigado
Beijinhos

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